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Claudio Pimentel

A cerimônia do adeus

Por Cláudio Pimentel*


Tribuna da Bahia, Salvador
20/09/2024 09:00
206 dias, 19 horas e 43 minutos

Desconfio que a “Playboy” brasileira jamais teve a audácia de promover uma publicação especial, do tipo para colecionadores, com “As 30 Melhores Coelhinhas da Playboy”, como fez, em 2005, com “As 30 Melhores Entrevistas de Playboy”, selecionadas entre as 348 publicadas pela revista no período de 1975 a 2005. A mesma que encontrei arrumando meu escritório. E, incrível, trazia um inesperado bate-papo com o intelectual mais importante do século passado: o filósofo Jean-Paul Sartre, falando apenas de amor, sexo e mulheres. Ele estava “nu”. E animado com o próprio charme. A entrevista é de março de 1978.

A primeira vez que ouvi o nome de Sartre foi em 1979, quando passei para o curso de Filosofia da UERJ, no Rio de Janeiro. E não foi na sala de aula, onde só se falava em Parmênides, mas nos corredores da Faculdade e barzinhos na região da Vila Isabel onde os alunos, no melhor estilo parisiense, bebiam. Os futuros filósofos o idolatravam como um rockstar. Sua militância encantava. Tornei-me existencialista e adotei o hábito de buscar o sentido da vida. Li “Sartre: Vida e Obra” dezenas de vezes. E “O existencialismo é um humanismo” virou bíblia.

Um ano depois, Sartre morre vítima de edema pulmonar. Tinha 74 anos. E não se cuidava. Seu funeral foi acompanhado por mais de 50 mil pessoas até o Cemitério de Montparnasse. Nunca um intelectual tinha tido tal despedida. Fiquei arrasado. Sequer continuei a faculdade. O jornalismo já me bastava. Os anos passaram e, um belo dia, leio em jornais e revistas que o último livro de memórias de Simone de Beauvoir, companheira de uma vida, “A cerimônia do adeus” (1981), estava sendo criticado por fãs e amigos de Sartre. Lembro de jornalistas do Brasil que engrossavam o coro. Gente famosa. Até os procurei, mas nada achei. Apesar da memória afiançar, não citarei ninguém.

Beauvoir estava sendo acusada de se vingar de Sartre ao narrar seus últimos 10 anos de vida, enumerando suas crises, pormenorizando o sofrimento, sua rebeldia, exageros na bebida e cigarros, descrevendo a falta de controle de seu corpo, suas dejeções e espasmos, desorientação, amnésias e confusão mental, enfim, um corolário de revelações que não ficava bem, segundo esses críticos, para uma relação que sempre foi exemplo de amor, modernidade e respeito. Preferiam a omissão dos fatos. Ao ler a entrevista que deu à “Playboy” fiquei com a impressão de que ele disse coisas que poderiam tê-la magoado, como dizer que se vestia mal, provocando a tal acidez citada pelos críticos em relação ao livro.

Um exagero! Ninguém amou mais Sartre do que Simone, e nem Simone a Sartre. Tinham uma relação aberta. Fugiam completamente ao padrão que a cultura nos impõe ou educa. Residiam em casas separadas, mas viviam um na casa do outro. Viajavam juntos e sempre estavam juntos em todos os lugares da cidade e do mundo. Cuidavam um do outro. Há um momento no livro que Simone narra o que diz Sartre, depois de uma crise, em 1972: “Ele sorriu, de maneira indefinível e disse: Agora, é a cerimônia do adeus! Toquei-lhe o ombro, sem responder. O sorriso e a frase me perseguiram durante muito tempo”.

O título do livro, o último dela, nasce aí. Oito anos depois de várias crises, no dia 15 de abril, Simone recebe ligação da amiga Arlette, que estava com Sartre no hospital: “Terminou”. Ela foi para lá com Sylvie sua irmã. Outros amigos chegaram. Diz Simone: “Permitiram que ficássemos no quarto até às cinco horas da manhã. Pedi a Sylvie que fosse buscar uísque e bebemos, falando sobre os últimos dias de Sartre”. Os jornalistas já cercavam o pavilhão e tentavam se infiltrar para tirar fotos e buscar informações. Se vivo ainda estivesse, pediria uma dose... Era sempre assim. Um brinde à vida.

*Cláudio Pimentel é jornalista.

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