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Claudio Pimentel

Vendado ou desvendado

Por Cláudio Pimentel


Tribuna da Bahia, Salvador
14/03/2025 09:00
32 dias, 14 horas e 46 minutos

O filme “Alta Fidelidade”, de 2000 - bem no centro da virada do século -, passeou recentemente na TV com outro sabor. Dirigido por Stephen Frears, escrito por Nick Hornby e estrelado por John Cusack, a película não tinha um enredo, mas uma coletânea de pequenas vidas dando rumo à trama: o dono de uma loja de discos em vinil, amantes do rock/pop entre 30 e 40 anos, namoradas que iam e vinham e um intenso desejo de entender o porquê de tudo. Seria o amor? Como cereja do bolo, um ingrediente místico: o personagem de Cusack identificava olhares de despedida, aqueles que jamais seriam revistos: de namoradas, amigos e até desconhecidos. Não era um dom, mas a sobrevivência como expertise.

Quando assisti o filme, há quase 25 anos, além de rir muito, não percebi esse tal dom em mim. Nem pensar. O único dom que me alimentava era vencer na vida, se é que se pode chamar isso de dom. Estava muito mais para necessidade básica. O tempo, que voa a jato, é que muda perspectivas e nos empresta novas façanhas, novos desejos, novos “dons”. Até os de identificar, entre outros, olhares de despedida, mas não nos outros, e, sim, em nós mesmos. Por incrível que pareça, ando assim. E começou depois da Pandemia. Sejam alvos novos ou já desgastados, sempre sinto que o meu olhar, para certos cenários, momentos ou pessoas, é de despedida. Pode ser um telejornal. Pode ser uma onda no mar. Um ente querido. Todos com sabor de último. Um saco!

O ambiente, ao redor, mudou nos últimos cinco anos, apesar de ser o mesmo, caótico, pobre e feio. Seria preciso dizer em permanente mutação, mas a precisão é o que hoje mais falta a tudo. Nesta semana li o artigo de um antigo professor, Adauto Novaes, que busca em Lévi Strauss respostas para o fato de a ciência ter voltado as costas ao mundo dos sentidos, o mundo das paixões e desejos, o mundo que vemos e percebemos. É como se esse mundo sensorial fosse ilusório. “O real seria o mundo das propriedades matemáticas, que só podem ser descobertas pelo intelecto e que estão em contradição com o mundo dos sentidos”, diz Strauss. Por isso me despeço a cada olhar? A vista é a mais espiritual de todos os sentidos? Ou nada mais nos apaixona e sensibiliza?

Há momentos em que o olhar consegue o impossível: ser clichê. “Foi amor à primeira vista” não passa de reação irrefletida. Ou, então, como acreditar no amor se o mundo está se despedaçando em guerras, e matando mulheres em nome do amor. E o poder, como um lobo voraz, tirou fora a pele de cordeiro e ameaça outros poderes, esnobando a desfaçatez e cutucando o outro.

A marcha que se percebe agora é a de um novo olhar que, além de banir o belo, está banindo também a decência. Se, num primeiro momento, a ciência se impôs aos sentidos, agora é o fanatismo religioso, em parceria com a política populista, que está se impondo à ciência e aos sentidos. E a estratégia de destruição está sendo vendida como ideal: é criar o caos para destruir hegemonias e interromper cadeias de produção. Se o imperialismo não tiver a liderança dos EUA, ninguém terá. A ordem é quebrar as pernas. Um caminho cujo olhar só pode ser de despedida. Vendado ou desvendado.

Cláudio Pimentel é jornalista.

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