O ano nem soltou seu último suspiro e já me vejo aqui, no cantinho dos livros de casa, a escolher qual “eu” devo vestir, em de 20 de janeiro de 2025, dia da posse de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Assim como Fernando Pessoa tem seus heterônimos, Woody Allen, seus neuróticos, e Chico Anysio, seus personagens, eu tenho outros “Eus” prontos para missões impossíveis. A noite vai descer e ceifar todos. Nem o imortal “Ethan Hunt” de Tom Cruise, na série de cinema, ou a constelação Marvel, da Disney, escapam. Os mais de 70 milhões de votos para Trump são a maior evidência de que o Planeta está na rotação errada.
É uma tentação comparar a chegada de Hitler à chancelaria alemã, em 1933, à presidência de Trump. O Partido Nazista obteve nas eleições parlamentares de 1932, 37 por cento dos votos, o maior da história no país. Foi como agora nos EUA: a população deu um cheque em branco a Trump. A surpreendente votação sobre Kamala, maioria no Senado – maioria na Suprema Corte desde seu governo passado - e vantagem na Câmara deixaram-no com a faca e o queijo na mão, ou seja, com todos os meios para agir. Se ele decidir implodir Porto Rico, taxado num comício seu de “ilha flutuante de lixo”, ninguém impedirá. Nem a bela Jennifer Lopez.
A oposição se fragilizou. E tudo é possível. A situação, incomum, leva-nos a imaginar o nascimento de uma nova Era, tendo o Ano Zero iniciando-se em 20 de janeiro. E sem perspectiva de Ano Um. Ao assistir a felicidade de um comentarista da TV Jovem Pan, clamando que os EUA exercessem, agora, com mais ênfase o papel de “Polícia do Mundo”, lembrei-me do afro-americano George Floyd, assassinado em 25 de maio de 2020 – Governo Trump - pelo joelho de um policial de Minneapolis, que ficou mais de oito minutos sobre o pescoço da vítima, deitada e imobilizada de bruços no chão. No lugar da política do “Big Stick” (porrete na mão), de Theodore Roosevelt, entraria a do “Joelho no Pescoço”. Se o primeiro ampliava o direito dos EUA intervirem nos países estrangeiros para garantir seus interesses, o segundo garante o Universo.
Há tempos as eleições norte-americanas causam frisson no mundo. E a depender do eleito, pessimismo. Foi assim com Richard Nixon, Ronald Reagan e George W. Bush. Cada um deles, ao seu modo, deixou o mundo pior. A principal marca dos três foi a mentira. Sim, há décadas a mentira é poder, que se confirma com a quantidade de pessoas que acredita nela. Trump foi eleito dizendo mentiras. Com o recurso dos algoritmos ajuda a escolhê-las e distribui-las às pessoas certas. Mas não foi apenas isso que lhe deu a vitória. A campanha de Kamala falhou. Feita de última hora, a única coisa que captou foi seu sorriso e suas dancinhas. Faltou um discurso inovador.
A gestão do mundo será outra. Espetacular ou espetaculosa. Sai Ucrânia do noticiário e entra o México. Os milhares de dólares para enfrentar a Rússia serão canalizados para impedir a entrada de imigrantes. Os cachorrinhos e gatinhos norte-americanos agradecem. Jamais churrasquinhos de novo. Foi tema de campanha. Israel vai baixar a bola e o Irã também. Malucos reconhecem malucos. Quanto ao mote, “Torne a América grande de novo”, esqueça. Se Trump quisesse isso, jamais se uniria a Elon Musk. A América ficou pequena porque seus grandes empresários levaram seus negócios para a China, incluindo Musk. Lá, um empregado recebe US$ 0,64 por hora, produzindo mais, enquanto nos EUA é US$ 21,1, produzindo menos. Duvido que Trump mande todos voltarem. Nem como ditador, conseguiria. O capitalismo é lucro. O resto é propaganda.
Cláudio Pimentel é jornalista.